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segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Teologia Política - Teologia Contemporânea

Johan Baptist Metz (foto ao lado)

Teologia Política

Num período de formulações teológicas, tanto no âmbito católico, com o Concílio Vaticano II (1962 – 1965), quanto no evangélico, com a teologia de orientação histórica de W. Pannenberg (1961) e também com a formulação da Teologia da Esperança de Jürgen Moltmann (1964) ocorre um período de reviravolta política da teologia e, então, nasce a Teologia Política na Europa (1965 – 1968) e da Teologia da Libertação na América Latina (1968 – 1972).

1. O surgimento da teologia Política

Esse surgimento ocorre numa época de diálogo entre cristãos e marxistas onde o teólogo Johann Baptist Metz inclui em seus discursos o termo Teologia Política, indicando uma primeira elaboração do projeto teológico sobre o assunto. Ele inclui na obra Sobre a Teologia do mundo (1968) as relações entre a Igreja e o mundo, ou seja, identifica-se um problema na esfera social e, assim, o papel da igreja nela.

A partir do iluiminismo, houve um rompimento entre a igreja e a sociedade, entre a existência religiosa e a existência social. A religião, sendo assim privatizada, sofre críticas do marxismo por ter ótimas estruturas ideológicas sobre a práxis e determinadas relações de poder. Metz vai afirmar que a Igreja “privatizou esta mensagem em seu núcleo essencial e reduziu a práxis da fé à decisão amundana do individuo” [1] . A teologia política procura então resolver esse problema. Sendo assim, Gibellini relata que esta foi a esfera negativa da dupla tarefa. Defini-se como pars destruens que “consiste em ser um corretivo crítico diante da tendência da teologia à privatização, quer dizer, ela deve atuar no sentido de uma desprivatização” [2]. Ao mesmo tempo, também, ocorre um fator positivo, denominado de pars construens, que consiste em desenvolver as implicações públicas e sociais da mensagem cristã eliminando o problema levantado pelo iluminismo e o marxismo desenvolvendo, também em teologia, uma nova relação entre a teoria e a práxis.

Aqui, então, entra o aspecto da “reserva escatológica” visto, também, na Teologia da Esperança proposta por Moltmann. A reserva escatológica são as promessas escatológicas da teologia cristã confrontadas com o presente histórico.

A Teologia Política, portanto, tem o objetivo de tornar a palavra cristã uma palavra socialmente eficaz. Ela procura não apenas iluminar a consciência, mas também transformá-la!

Gibellini, com isso, levanta uma pergunta. Como se dá à luz desta teologia, a teologia política, a relação entre Igreja e mundo? Mundo aqui, como já dito, expressa a realidade social em processo histórico. Como resposta a esta questão nos é apresentada uma sequência de réplicas. Em primeiro o indivíduo jamais pode ser considerado material, em segundo na crítica das ideologias e por último, na mobilização daquele poder crítico do amor que está no centro da tradição cristã. Dentro desta perspectiva, Moltmann escreve um artigo denominado História existencial e história do mundo. Para uma hermenêutica política do Evangelho. E afirma: “Esta hermenêutica pode ser denominada hermenêutica política, porque encara a política como o amplo horizonte de vida do homem” [3].

Para explicar o passo dado no âmbito teológico com essa nova perspectiva hermenêutica e teológica, Moltmann faz uma rápida síntese da história da teologia em três etapas: “a) Uma primeira forma de teologia cristã juntou a tradição bíblica com a metáfora cosmológica: Deus foi apresentado como fundamento e o senhor do cosmo. b) Quando o racionalismo crítico demoliu as provas cosmológicas da existência de Deus, a teologia então deixou de ser cosmológica e passou a ser antropológica; ela acrescentou à tradição bíblica a antropologia moderna e se apresentou como iluminação teológica da existência: Deus foi apresentado como fundamento transcendente do humano ser-no-mundo. c) Com o declínio da imagem personalista do homem, toma a dianteira um novo tipo de teologia cristã: uma teologia escatológica que elabora um projeto de teologia política, em que Deus é apresentado como o Deus da esperança [4].

Entende-se Teologia Escatológica a seguinte definição: “Por escatologia se entende aqui a doutrina da esperança, a doutrina daquilo em que se pode esperar, e ao mesmo tempo a doutrina da práxis da esperança que introduz o futuro esperado em meio aos sofrimentos do presente. A ‘teologia como escatologia desejaria projetar o horizonte universal do futuro no qual a teologia dever-se-ia tornar significativa por si mesma e relevante para o mundo” [5]. É importante ressaltar dois fatores importantes. Em primeiro, que a teologia política nasce dentro de duas perspectivas.O da Teologia da Esperança e o da Teologia Existencial de Bultmann. E em segundo é que a teologia política nasce na Alemanha depois da última guerra, sobre a impressão de Auschwitz. Passa-se a impressão que após a guerra havia um pessimismo angustiante sobre a teologia.

Mas por que da Teologia Existencial de Bultmann? Essa influência se dá sob três aspectos. O método histórico-crítico, a teologia dialética e a filosofia existencial. Analisado à luz desses três elementos, a Teologia Política “torna verdadeira” a teologia existencial.

a) Histórico crítico: com a desideologização da história da tradição, da pré-compreensão e da auto-compreensão.

b) Teologia Dialética: significa que a compreensão da historicidade da homilia sobre Deus, de acordo com a qual um pronunciamento teológico não é adequado porque demonstra um conteúdo que tem valor atemporal e a-histórico, e sim porque dá uma resposta a uma situação concreta.

c) Teologia Existencial: tirada de Heidegger e formalizada. Se a preocupação da teologia existencial é com a vida autentica do indivíduo, a preocupação da teologia política é com a vida autentica para todos os homens em termos de liberdade, e, portanto, de libertação.

Gibellini mostra que a teologia política, com Metz, Moltmann e Sölle configura um novo movimento teológico interconfecional diversificado.

2. A discussão em torno do programa de “teologia política”

A teologia política teve uma recepção polêmica comparada à teologia da esperança, no final da década de 60.

A primeira objeção foi decorrente quanto ao termo “Teologia Política”, pois poderia dar lugar a equívocos. A antiguidade pagã conhecia uma teologia política e também o cristianismo constantiniano, que funcionava como uma ideologia do Estado. A resposta de Metz se dá pelo fato que depois do iluminismo, o termo político modificou-se em relação ao uso antigo devido a dois fatos. Primeiro pela distinção entre estado e sociedade e em segundo é que o discurso crítico é libertador e pretende promover a história humana da liberdade.

A segunda objeção se estabelece na relação entre identidade e relevância. A resposta se dá afirmando que a Igreja cristã não é uma seita, mas possui uma missão pública! No atual contexto histórico social nascido do iluminismo, a igreja cristã não pode ter relevância se não se confrontar com a história da liberdade. Alguns procuram refugiar-se, em vez disso, numa espécie de “ortodoxia” desligada dos problemas histórico-sociais. Com o defasamento dos conceitos da Igreja perante a sociedade, Metz procura apresentar como principal tarefa a ideologia de que a “Grande Igreja” não é uma seita.

Começa-se uma objeção, onde Erik Peterson levanta questões sobre a teologia política e a religião política. Respondendo Erik Peterson, Carl Schmitt, outro ícone da teologia política, sustenta a tese da concordância entre a estrutura social de uma época e sua imagem metafísica e teológica da realidade: “Todos os conceitos mais significativos da moderna doutrina do Estado são conceitos teológicos secularizados. Não só segundo seu desenvolvimento histórico, porque eles passaram a doutrina do Estado a partir da teologia, como por exemplo, o Deus onipotente que se tornou legislador onipotente, mas também em sua estrutura sistemática. [...] Só com a consciência dessa situação de analogia é possível compreender o desenvolvimento sofrido pelas idéias da filosofia do Estado nos últimos séculos” [6]. Era sistemático afirmando uma correspondência entre níveis de realidade. A realidade política e a religiosa. Para responder estas afirmativas foi necessário retornar a discussão aos conceitos históricos. Afirma-se que durante a história a teologia cristã funcionou como teologia política em suas posições monoteístas monarquista. Contudo, para Peterson, este conceito é infeliz, pois ele retrata que a forma do cristianismo enxergar a Deus se faz num conceito Trinitário. Em Deus há uma pluralidade não imitável ad extra. Ele afirma: “Somente o terreno do judaísmo e do paganismo pode haver algo como uma ‘teologia política’. Mas o anúncio cristão do Deus uno e trino se situa para além do judaísmo e do paganismo, pois o mistério da Trindade existe somente na própria divindade, não na criatura humana. Assim como a paz, que o cristão procura, não é garantida por nenhum imperador, mas somente um dom daquele que é ‘maior que toda razão’” [7].

Gibelinni faz a seguinte definição da Teologia Política:

“A teologia política é categoria do estoicismo grego, donde passou ao estoicismo romano. Literariamente, a expressão se encontra em Terêncio Varrão, cujo texto – que se vale por sua vez de outros textos – conhecemos por meio de Agostinho, que discorre a respeito dele no De civitate Dei” [8] .

Esta afirmativa se faz valer no texto diante do contexto cristão, que não só na Antiguidade exerceu política, mas em tempos modernos, sob uma forma de “religião civil”. É evidente que a religião, com seus simbolismos e práticas, desempenha uma função de apoio ao poder público.

Resumindo, A Teologia Política abraça diversas acepções:

a) Há uma teologia política como religião política. Referindo-se a um conceito de longa data, indo da Theologia civilis do estoicismo à civil religion americana.

Contudo, Peterson demonstra uma incompatibilidade entre a teologia política e a teologia cristã.

b) Uma teologia política de Carl Shmitt, onde se trata sobre uma “teologia política jurídica”, onde ele vê essa teologia com uma esfera da ciência jurídica.

c) Uma teologia política no sentido théologie politique de humanismo integral (1936), do filósofo francês Maritain. Onde ele aborda ideologias sobre a “teologia da política”, ou, também, a “teologia do político” numa perspectiva da teologia cristã da política e sobre a política.

d) E, finalmente, uma “nova teologia política”, onde aborda-se a idéia de que a teologia da cruz, desenvolvida também por ele, exige uma nova teologia política. A cruz incentiva e constrange os cristãos a criarem para si mesmos uma teologia política crítica.

3. As categorias da teologia política

A proposta que Gibellini apresenta é que, se a teologia política pertence ao contexto do debate das relações entre igreja e mundo, a teologia política é incluída no projeto de uma teologia fundamental prática.

Se configura, então, uma “apologia de uma esperança” segundo as exigências de 1Pe 3.15 que afirma: “estar sempre prontos a dar razão de vossa esperança e de todo aquele que vos pede”. Assim, esta se configura como uma teologia fundamental. Contudo, ela não pode abster-se em ser apenas uma teologia que apresenta fundamentos da religião sem assumir uma conotação prática. Torna-se, com isso, uma “práxis apologética”. Para Metz, as teologias, transcendental de Rahner e a teologia no horizonte da história universal de Pannenberg, assumem um confronto crítico com a problemática da Modernidade, mas não, ainda, assumem um confronto prático. “A fé dos cristãos deve tornar-se práxis na história da sociedade; a ortopráxis é o preço da ortodoxia” [9] . Para Hans Küng, a polêmica com sua interpretação da mensagem cristã em Ser cristãos, mas sim, o de possuir uma ciência prática de Jesus Cristo. Ele afirma: “A tão discutida crise de identidade do cristianismo é antes de tudo uma crise não propriamente de sua mensagem, e sim dos indivíduos e das instituições que o representam, que com demasiada facilidade se subtraem ao sentido inevitavelmente prático da própria mensagem e assim quebram a força de sua inteligibilidade” [10]. Sendo assim, a teologia política como teologia fundamental prática se articula em três categorias básicas: Memória, narração e solidariedade.

1ª Categoria: MEMÓRIA

Metz fala preponderantemente sobre o conteúdo da memória cristã, mobilizados em função prática. Trata-se de ter a fé como memória. A fé está em primeiro plano na Teologia política.

2ª Categoria: NARRAÇÃO

Entende-se que, aquilo que se tem memória, deve ser narrado! Se a teologia é em grande parte uma teologia argumentativa e hermenêutica, ela deve ser completada por uma teologia narrativa. A narração é performativa e tende a comunicar uma experiência e provocar novas experiências.

3ª Categoria: SOLIDARIEDADE

A teologia política como apologia prática da esperança cristã é a solidariedade. Caracteriza-se como “místico-político”. Místico porque nasce da fé como memória e narração da história de Jesus; e político porque é práxis na história da sociedade. Traz a idéia de “tornar-se sujeito” e por “continuar sujeito” de todo ser humano diante de Deus. A solidariedade, ainda, não apenas como solidariedade “para frente”, mas também, “para trás”, com os mortos e as vítimas.

Memória e narração se tornam prática através da solidariedade. Mas só as três juntas, memória, narração e solidariedade podem ser as categorias de uma teologia fundamental prática.

A teologia política observou o caminho traçado pela transcendência aberto pelo pensamento filosófico. Portanto, a teologia cristã encontra-se em múltiplos contextos sociais através da teologia latino-americana de libertação, teologia negra nos EUA, a teologia Minjung na Coréia, teologia feminista e muitas outras formas de teologia que demonstram a necessidade da consciência política da teologia cristã.

Por Bruno Sathler


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[1] J. B. Metz, Sulla teologia Del mundo (1968), p. 106
[2] GIBELLINI, Rosino – “Teologia do século XX”, Edições Loyola, Cap. X – “Teologia Política”, p. 301
[3] MOLTMANN, Jürgen – “Storia esistenziale e storia universale. Verso un'ermeneutica politica del vangelo”, p162.
[4] GIBELLINI, Rosino – “Teologia do século XX”, Edições Loyola, Cap. X – “Teologia Política”, p. 304 - 305
[5] Id., “Teologia come escatologia” [1968], in Religione, rivoluzione e futuro [1969], p. 187
[6] SCHMITT, Carl – “Teologia Política” – p. 61 / GIBELLINI, Rosino – “Teologia do século XX”, Edições Loyola, Cap. X – “Teologia Política”, p.311. - Carl Schmitt é considerado um dos mais significativos (porém também um dos mais controversos) especialistas em direito constitucional e internacional da Alemanha do século XX. A sua carreira foi manchada pela sua proximidade com o regime nacional-socialista. O seu pensamento era firmemente enraizado na fé católica, tendo girado em torno das questões do poder, da violência, bem como da materialização dos direitos. Além dos direitos constitucional e internacional, a sua obra abrange campos acadêmicos como a ciência política, sociologia, teologia, filologia germânica, e filosofia, entre outros. (Wikipedia)
[7] PETERSON, Erik – “ Il monoteísmo come problema politico” (1935), p.72 / GIBELLINI, Rosino – “Teologia do século XX”, Edições Loyola, Cap. X – “Teologia Política”, p. 312.
[8] GIBELLINI, Rosino – “Teologia do século XX”, Edições Loyola, Cap. X – “Teologia Política”, p. 312.
[9] GIBELLINI, Rosino – “Teologia do século XX”, Edições Loyola, Cap. X – “Teologia Política”, p. 316
[10] KÜNG, Hans – “La fede, nella storia e nellasocietà” – p.7 / GIBELLINI, Rosino – “Teologia do século XX”, Edições Loyola, Cap. X – “Teologia Política”, p. 316